Créditos: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Antigamente, o rock era sinônimo de subversão. Não se associava a nada, vivia à margem e tinha um discurso afiado, que era identificado e assimilado por muitos. Mas a recente edição do
Rock in Rio ilustrou o que eu observara já há algum tempo (não só neste festival, mas em todos os grandes eventos): o roqueiro, na essência da palavra, é uma raça em extinção. No citado festival, milhares de pessoas se apropriaram de vários apetrechos de patrocinadores e ligaram, de forma proposital ou não, seu corpo ou seu rosto a alguma marca específica. Não há problema nenhum em um festival buscar apoios na iniciativa privada e esta, buscar o retorno do investimento das mais diversas marcas. Mas a passividade do público em aceitar e assimilar tais benesses é sinônimo de seu próprio comportamento com a música e a política que vivenciamos. Adornos na cabeça, bastões para acenar para a câmera, um freak show para o deleite publicitário. E uma música que é assimilada, não importando qual seja. Antigamente era assim?
Quando o
Skank precisou fazer um discurso durante o show para tentar acender alguma consciência política (quando citou o Mensalão), percebe-se claramente a ausência de propósito do público, que não está muito preocuopado com isso. Ok, era um festival, mas são tantos assaltos ao dinheiro público quase que diariamente e o que está acontecendo nas ruas? Pouco, né? Bem pouco.
Se você vai em algum festival de rock na Argentina ou no Chile, existem inúmeras petições, organizações que montam suas tendas (em defesa dos refugiados políticos da ditadura, dos animais, dos homossexuais, do cultivo particular da maconha, dentre diversas causas) e recebem apoios dos mais diversos, com uma clara mobilização e sensibilidade social. A plateia carregava uma herança política (nós também), porém lá eles a ostentam e aqui, a gente deixa pro Facebook. No Brasil, basta o picadeiro. Somos os palhaços deste circo, que simplesmente queremos o pão, o entretenimento. Pensar pra quê? Basta a música, que é oferecida e aceita. Ela não precisa nos fazer questionar. Engolimos da mesma forma.
Talvez por isso, o rock nacional perdeu seu dogma, sua razão de existir. E não perdeu hoje. Faz tempo. Basta ver os nomes mais relevantes em qualquer festival no país. Quando o
Capital Inicial sobe ao palco e o vocalista Dinho coloca um nariz de palhaço e adota um discurso jovem (algo que ele já não é faz tempo), se apropriando de um linguajar juvenil, é porque mesmo sem querer, ele precisa preencher uma lacuna, que está vaga, e não é de hoje. Nem pedirei para comparar o rock do mainstream hoje com o de outras épocas…
Aos fatos: o rock, há tempos, não é mais o som da juventude. O sertanejo e o pagode roubaram este espaço, que servem apenas para a alienação da massa. Entre os indignados, o hip hop cresceu, mas por mais que se esforça, continua enclausurado e restrito, mas com público fiel. O rock ficou ofuscado, serve apenas para a classe média. O roqueiro de hoje não passou por dificuldades financeiras, não sofreu censura, repressão e simplesmente fantasia e almeja algo que ficou com seus pais e tios (por isso muitas vezes, a juventude se veste de forma similar, ouve a mesma música e lê o mesmos autores que estavam em voga na década de 1970 ou antes).
E toda a arte, é produto da cultura que absorve. E pra ficar no exemplo do
Rock in Rio, são reféns do mainstream, que aplaude o show do
30 Seconds for Mars (banda insossa, mas que tem um vocalista que é ator de Hollywood) e simplesmente não compreende o
Bruce Springsteen (um ícone que faz música - principalmente - para os proletários, há cerca de 40 anos). Muito antes de entrarmos no mérito da comunicação em si (pois obviamente, a primeira banda tem infinitamente mais exposição/pretensão midiática do que a última), tal exemplo é sinônimo da passividade, algo que vimos na teoria hipodérmica de comunicação (quando o público simplesmente assimila, absorve o que os meios de comunicação propagam). É percebido que mesmo se o público tem acesso a internet, TV a cabo e pode conhecer artistas mais relevantes, que fogem e confrontam o status quo, ele simplesmente não faz por conformismo, preguiça ou falta de interesse, pois foi de certa forma domesticado a agir assim.
As manifestações de junho demoraram demais a eclodir e precisou de um evento de dimensão mundial para que o povo acordasse, a
Copa das Confederações. Mas o povo já está sonolento e somente será estimulado novamente na
Copa do Mundo, pois isto se estava enraizado, agora carece de estímulo. A população absorve qualquer coisa de gosto duvidoso e simplesmente assimila, a rebeldia foi confinada a um estágio dormente, com esporádicos acessos de vândalos que se travestem e anseiam por subjugar uma ordem por demais estabelecida.
E quanto ao rock em si e outros artistas (de fato) relevantes, vão ficar cada vez mais segregados. O público atual não procura se informar e se satisfaz com uma banda como
Detonautas ou
Nickelback. Seu mundinho restrito é confortável, mesmo que lá fora ele possa ser melhor. Mas falta iniciativa e ambição. E por isso ainda tem gente que crê no futuro do Brasil. Se tivesse algum artista, de fato popular, que fizesse o povo pensar, ajudaria muito. Mas por enquanto, o importante é fazer dançar e manter tudo como está. É mais fácil apostar em um
Luan Santana ou
Naldo, o retorno é mais rápido e certo. E quem poderia questionar, é refém de eternos editais públicos e shows municiados com bênçãos governamentais (por um mercado viciado e desigual), aí a língua encurta. Então o cenário está montado: a geração dos bananas está estabelecida.
Estou sendo muito pessimista? Tomara.
p.s.: no festival
Planeta Terra, o autor deste texto, um tremendo hipócrita, usufruiu de um belo óculos branco que recebeu de um dos patrocinadores do evento. Portanto, ele também merece um pouco deste cacho…